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“A pior campanha contra a AIDS da história”

by em dezembro 10, 2010

por IPS • Daniela Estrada • (Santiago do Chile)

tradução de Mariana Marcoantonio

Leia aqui o artigo original em espanhol

Polêmica no Chile devido aos vídeos de conscientização do Governo

“Morrer de velhice é melhor do que morrer de AIDS”, diz um dos anúncios em tom humorístico

“Esta campanha é um retrocesso: é discriminatória e relaciona doença com morte”

“Morrer de velhice é mais divertido do que morrer de AIDS. E morrer com seu companheiro da vida inteira é melhor ainda. Seja fiel”, diz uma das controversas mensagens televisivas da campanha anual contra essa pandemia preparada pelo Ministério da Saúde do Chile. Os vídeos convidam a acessar o site Quién tiene sida, que contém informações sobre as características da doença, os métodos de prevenção e os lugares onde fazer o exame de detecção.

É a pior campanha na história das campanhas contra a AIDS, que nunca foram tão bem-sucedidas”, sentenciou Manuel Jorquera, da ONG Vivo Positivo, diante da consulta de IPS; a ONG coordena agrupações e organizações de pessoas vivendo com HIV/AIDS de todo o Chile. Ativistas, especialistas e dirigentes políticos qualificam a campanha em seu conjunto como confusa. Apenas uma das mensagens televisivas, a maioria delas de tom humorístico, insiste no uso de preservativo para prevenir a transmissão do HIV.

Um spot mostra uma mulher caracterizando diferentes tipos de doenças, como gripe, caxumba e catapora. Quando “tem AIDS” aparece pronta para ir a uma festa e seduzir. A mensagem final é: “Não podemos ver a AIDS, mas nem por isso vamos nos fazer de cegos. Faça o exame e leve seu companheiro”. “É a campanha mais vaga, a mais ambígua. Não tem um enfoque sanitário nem está direcionada às populações de maior risco. Tem uma interpretação muito difusa. Consideramos que foi um retrocesso”, enfatizou Jorquera, cuja organização pretende apresentar um recurso de proteção contra o Ministério por “atentar contra o direito à vida”.

“O que é preciso dizer aqui, goste a quem goste, é que o uso contínuo do preservativo continua sendo o método mais eficaz para evitar o HIV”, explicou Jorquera, que na terça-feira, dia 7, enviou uma carta ao ministro da Saúde, Jorge Mañalich, em nome da Vivo Positivo. “A campanha arremete contra as mulheres ao estabelecer uma relação entre o fato de a AIDS ser uma doença que não se manifesta fisicamente com uma mulher pronta para a sedução”, questiona a missiva.

“Também insulta as pessoas que vivem com HIV, dizendo-lhes que é divertido morrer de velhice e não de AIDS, voltando à relação AIDS-morte, superada nas últimas campanhas graças à repercussão na sociedade civil”, aponta. Trata-se da primeira campanha massiva de prevenção de doenças do governo do direitista Sebastián Piñera, que em março sucedeu à coligação centro-esquerdista de Partidos pela Democracia, que governava o Chile desde 1990, após 17 anos de ditadura. O trabalho foi lançado domingo, dia 5, e dirige-se a homens e mulheres de 15 a 29 anos de idade, os que apresentam maior risco e utilizam as redes sociais da Internet. Isso explicaria, segundo o governo, o tom lúdico e humorístico da aposta. Entre 1984 e 2008, quase 20.100 pessoas desse país com 17 milhões de habitantes foram notificadas como portadoras do HIV, segundo números oficiais. A epidemia afeta sobretudo adultos jovens de 20 a 39 anos, a maioria homens que fazem sexo com homens.

Ainda que sejam distribuídos materiais em casas noturnas frequentadas por homens homossexuais e bissexuais, os vídeos transmitidos pela rede aberta de televisão não citam essa realidade, o que é considerado discriminatório pelos ativistas. “Para mim, é uma campanha bastante retrógrada e pouco atualizada quanto a informação”, disse à IPS Claudia Dides, diretora do Programa de Inclusão Social e Gênero da Faculdade Latino-americana de Ciências Sociais (Flacso-Chile).

“Eu estou bastante incomodada porque para mim a frase ‘quem tem AIDS‘ é muito discriminatória”, sustentou a especialista. Dides explicou que “as pessoas não têm AIDS, e sim ‘vivem com HIV’, por isso a campanha volta a criar a ideia do aidético, do leproso, do que está fora do sistema e isso é uma falta de respeito impressionante” pelas pessoas com essa doença. “Quando alguém trabalha com a cólera, diz claramente que é preciso lavar as mãos e que não se deve comer verduras ou frutas cruas. Então não entendo por que não se pode dizer claramente aqui que o uso do preservativo é a ferramenta mais eficaz para evitar o HIV/AIDS e para evitar outras doenças sexualmente transmissíveis”, questionou Dides.

Na campanha “nota-se muito marcada a postura católica do governo”, disse à IPS Jaime Valderrama, de 30 anos. “Todos os enfoques são válidos, mas não acho que a fidelidade deva ser uma política governamental contra a AIDS”, enfatizou.

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